A construção de memes e narrativas virais no marketing político

A esquerda precisa utilizar o humor e a sátira política de forma estratégica e inteligente. É importante criar conteúdos que sejam engraçados, mas também politicamente relevantes e capazes de gerar reflexão.

Por Yuri Almeida

O meme, como unidade mínima de comunicação cultural na era digital, tornou-se um poderoso instrumento de disputa política (Shifman, 2014). Sua capacidade de condensar ideias complexas em formatos breves, humorísticos e facilmente compartilháveis o torna ideal para a propagação viral e a criação de narrativas alternativas (Jenkins, 2006).

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A teoria da memética, como explorada por Dawkins (1976), pode ser aplicada ao estudo da cultura digital e da difusão de ideias políticas através de memes.

A esquerda precisa investir na formação de equipes criativas que dominem a estética das redes e saibam produzir conteúdos que sejam, ao mesmo tempo, politizados e viralizáveis. O humor, a ironia, a paródia e a estética popular não devem ser vistos como “superficiais” ou “menores”, mas como veículos legítimos e poderosos de disputa cultural e de mobilização política (Bennett, 2018). É importante entender como a cultura participativa, como discutida por Jenkins et al. (2009), pode ser utilizada para amplificar as mensagens políticas.

A produção de memes e narrativas virais deve ser vista como parte de uma estratégia mais ampla de comunicação política, que inclui a criação de hashtags, a organização de campanhas online, o uso de livestreams e a interação com influenciadores digitais (Burgess & Green, 2018).

Em “Social Movements: An Introduction” (2006), Donatella Della Porta e Mario Diani exploram o conceito de ativismo digital como uma das muitas ferramentas e táticas à disposição dos movimentos sociais. Eles argumentam que a internet e as tecnologias digitais oferecem novas oportunidades e desafios para a ação coletiva. Por um lado, facilitam a comunicação rápida e de baixo custo, a organização de protestos em larga escala, a disseminação de informações alternativas e a criação de identidades coletivas online.

Por outro lado, Della Porta e Diani alertam que o ativismo digital não substitui as formas tradicionais de mobilização e que seu impacto está intrinsecamente ligado ao contexto social e político offline. Eles analisam como a internet pode ser usada para complementar ou estender as atividades presenciais, mas também levantam questões sobre a sustentabilidade do engajamento online, a possibilidade de vigilância e controle digital, e a reprodução de desigualdades sociais no ciberespaço. Para os autores, o ativismo digital deve ser compreendido como parte de um repertório mais amplo de ação coletiva, cujos efeitos dependem da interação complexa entre as dinâmicas online e offline.

O humor e a sátira política são armas poderosas na luta contra a opressão e a injustiça. Através do riso, da ironia e da paródia, é possível desarmar o poder, ridicularizar os poderosos e despertar a consciência crítica.

Em sua obra seminal “A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais”, Mikhail Bakhtin (1965) explora a rica e multifacetada cultura popular da Europa medieval e renascentista, com foco especial no fenômeno do carnaval. Bakhtin argumenta que o carnaval representava um período de suspensão temporária das normas e hierarquias sociais estabelecidas, oferecendo uma visão de mundo alternativa e subversiva.

No carnaval, as pessoas podiam se libertar das restrições de suas vidas cotidianas, participar de rituais de inversão, paródia e grotesco, e expressar sua alegria e vitalidade coletiva através do riso e da celebração. Bakhtin via o carnaval como um espaço de resistência simbólica, onde as pessoas comuns podiam desafiar o poder da igreja, do Estado e outras instituições dominantes. Ele enfatizou o poder subversivo do riso carnavalesco, que zombava da autoridade, relativizava a verdade oficial e celebrava a natureza cíclica da vida, morte e renovação.

A esquerda precisa utilizar o humor e a sátira política de forma estratégica e inteligente. É importante criar conteúdos que sejam engraçados, mas também politicamente relevantes e capazes de gerar reflexão. O humor pode ser utilizado para desmistificar discursos dominantes, expor contradições e hipocrisias, e promover a participação e o engajamento. É fundamental também estar atento aos limites do humor e evitar o uso de estereótipos, ofensas e ataques pessoais. O humor deve ser utilizado para criticar o poder e não para humilhar ou discriminar pessoas.

Yuri Almeida é professor, estrategista político e especialista em marketing eleitoral.

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