Justiça eleitoral cassa vereador do PSD após reconhecer fraude à cota de gênero em Itacarambi
O Juiz da 148ª Zona Eleitoral de Januária, anulou os votos do PSD, resultando na cassação de Euci Sá, único vereador eleito pelo partido.

JANUÁRIA — O Juiz Eleitoral da 148ª Zona Eleitoral de Januária, no Norte de Minas, anulou o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do Partido Social Democrático (PSD), que, como consequência direta, atinge todos os votos atribuídos à legenda para vereadores nas eleições municipais de 2024.
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Na decisão do magistrado de 7 de novembro em uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), foram declarados nulos todos os votos, resultando na cassação de Euci Nascimento Sá, único vereador eleito pelo partido,em Itacarambi, também no Norte.
Conforme informação do Blog do Fábio de Oliva, ao analisar o processo de número 0601152-69.2024.6.13.0148, o juiz imputa ao PSD a prática de fraude à cota de gênero, um ilícito eleitoral grave que visa burlar a legislação que busca promover a representatividade feminina na política.
Além da perda coletiva dos votos atribuídos à legenda, a sentença individualiza a responsabilidade, declarando a inelegibilidade de dois envolvidos: Elaine Farias Lacerda, uma das candidatas que figurou como “fictícia”, e do advogado Emerson Barbosa Macedo, que também foi candidato da mesma chapa e é dirigente partidário do PSD, acusado de articular a fraude, ambos impedidos de concorrer a cargos eletivos por oito anos.
A Investigação e a Urgência da Representatividade Feminina
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) foi promovida pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) e por Jordinei Rodrigues Cirqueira, tendo como alvo diversos candidatos do PSD em Itacarambi/MG. A denúncia central era a prática de fraude e/ou abuso do poder político, configurado pelo registro de candidaturas fictícias femininas com o propósito de cumprir a cota de gênero, estabelecida pelo artigo 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997. Esta norma exige que cada partido ou federação preencha, nas eleições proporcionais, o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.
A cota de gênero não é uma mera formalidade legal; seu fundamento é muito mais profundo, conforme explicitado na sentença: “A finalidade dessa norma não é apenas formal, mas sim a promoção da igualdade substancial entre os gêneros no acesso ao espaço político, em conformidade com o disposto no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal, bem como com os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro, a exemplo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), promulgada pelo Decreto nº 4.377/2002”, frisou o juiz eleitoral Rodrigo da Silveira. Para o magistrado, a fraude à cota de gênero é um atentado à democracia representativa, distorcendo a vontade popular e desvirtuando um mecanismo essencial de inclusão social e política.
Os Indícios da Fraude e a Jurisprudência do TSE
A Justiça Eleitoral, em sua análise, baseou-se na Súmula nº 73 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que consolida o entendimento de que a fraude à cota de gênero pode ser configurada por um ou mais elementos indicativos de candidaturas fictícias. Entre eles, destacam-se: “votação zerada ou inexpressiva, prestação de contas zerada ou com movimentação padronizada ou irrisória, e ausência de atos efetivos de campanha”. De acordo com o próprio TSE, esses elementos não são cumulativos; a presença isolada de um deles pode ser suficiente para o reconhecimento da fraude, a depender das circunstâncias do caso concreto.
No caso de Itacarambi, as candidatas Elaine Farias Lacerda, Joselma Pereira Matos e Liliam Pereira Nascimento tiveram votação irrisória (entre três e quatro votos cada) e declararam inexistência de gastos ou movimentação financeira. Tais fatos, por si só, já levantavam fortes suspeitas.
Distinções Cruciais: Liliam, Joselma e o Caso Emblemático de Elaine
A sentença, ao analisar individualmente as candidaturas femininas, fez distinções importantes. Para as candidatas Liliam e Joselma, a Justiça Eleitoral considerou que, apesar dos indícios, não havia “prova robusta” suficiente para a sanção individualizada de inelegibilidade. Ambas apresentaram versões que, embora por vezes instáveis, não permitiram ao juízo concluir com a certeza necessária que suas candidaturas foram lançadas com um “intento fraudulento primitivo”. O magistrado ponderou a possibilidade de “desistência voluntária ao longo da campanha” ou mesmo “manobras de adversários políticos”, o que “prejudica o reconhecimento de uma candidatura fictícia, que exige prova robusta do intento fraudulento, sob pena de por em risco mandatos alcançados por legítimo sufrágio popular”.Apesar disso, os diplomas de Liliam e Joselma foram cassados como consequência do não cumprimento da cota mínima de gênero pelo partido.
Contudo, a situação de Elaine Farias Lacerda foi categoricamente diferente. A sentença aponta que a candidatura de Elaine “reúne assim todos os indícios previstos na Súmula 73 do TSE.” Não foram encontradas evidências de divulgação de sua candidatura, material de campanha, presença em redes sociais ou qualquer atuação política pública minimamente visível. A fotografia de sua presença na plateia da convenção partidária foi considerada insuficiente para comprovar a efetividade da candidatura.
A principal prova que selou o destino de Elaine e, consequentemente, do PSD, foram diálogos em áudios, reconhecidos como autênticos pelo advogado e dirigente partidário Emerson Barbosa Macedo, que “elucida uma trama inicial.” Nesses áudios, Emerson orienta Elaine a “fechar a conta (bancária) segunda-feira, belezinha tudo certinho sem problema nenhum” e a “arrumar uns votos aí pra você, aí na família (…) tem que ter um mínimo de voto, cê tá entendendo (…) tem que ter alguns votos viu?”. A Justiça interpretou essas falas como uma tentativa de “tranquilizar Elaine, dispondo sobre como ela deve agir para que sua candidatura não transpareça fictícia, ilícita”. As respostas de Elaine nos áudios, lamentando não ter feito campanha e expressando arrependimento por ter aceitado se candidatar, corroboraram a tese da candidatura “forjada”.
Adicionalmente, a condição de saúde de Elaine, que havia passado por uma cirurgia em 09/08/2024 com recomendação de repouso pós-cirúrgico de cerca de 90 dias, e cujo registro de candidatura pelo PSD ocorreu menos de uma semana depois (15/08/2024), “ratifica que sua candidatura foi apresentada […] tão somente para formalizar o cumprimento simulado da cota mínima de gênero”, diz a sentença.
A Participação do Advogado Emerson Barbosa Macedo e as Consequências Individuais
A sentença não hesita em apontar o advogado Emerson Barbosa Macedo como um dos arquitetos da fraude. Qualificado como candidato e dirigente partidário do PSD, ele foi considerado peça central no esquema. Segundo a sentença, “demonstrada está a candidatura fictícia de Elaine, organizada pela direção do PSD, desvirtuando o processo democrático eleitoral. Além da candidata, o investigado Emerson também merece ser responsabilizado”. A Justiça destacou que ele “participou ativamente da formalização das candidaturas, arcando, portanto, com responsabilidade direta pelo vício verificado”.
A sentença enfatiza a participação de Emerson Barbosa Macedo, não apenas como candidato, mas como dirigente partidário e advogado. A condição de profissional do direito agravou a conduta, dada a expectativa de observância rigorosa da lei que recai sobre quem detém tal conhecimento e exerce função de liderança. A jurisprudência do TSE é rigorosa com a participação de dirigentes partidários em fraudes, pois eles são os responsáveis pela correta aplicação das normas eleitorais. A sentença ressalta que “não se trata, pois, de mera inexpressividade eleitoral ou de dificuldades de campanha. Trata-se de uma estratégia consciente de esvaziamento político de candidaturas femininas, o que, além de constituir fraude à norma cogente […] representa prática institucional de violência simbólica”.
Pela sua conduta, Emerson Barbosa Macedo foi declarado inelegível pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao pleito de 2024 (até 2032), nos termos da Lei de Inelegibilidades, juntamente com Elaine Farias Lacerda.
O Impacto no Cenário Político: O PSD Perde Seu Único Vereador
A consequência mais dramática da decisão para o cenário político de Itacarambi é a anulação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do PSD e, consequentemente, a nulidade de todos os votos atribuídos ao partido e seus candidatos. Isso leva à cassação de todos os diplomas e, de forma direta, do mandato do único vereador eleito pela legenda, Euci Nascimento Sá.
Apesar de a sentença não ter encontrado provas robustas de que Euci Nascimento Sá tenha participado diretamente da fraude, seu mandato é cassado em decorrência do vício do DRAP partidário. Este é um reflexo do entendimento consolidado na Justiça Eleitoral de que a fraude à cota de gênero contamina a chapa proporcional inteira, aplicando-se a todos os eleitos e suplentes a ela vinculados. A jurisprudência, em casos como este, firma que a ilicitude na formação da chapa gera a nulidade de todos os atos dela decorrentes, independentemente da participação individual de cada candidato eleito na fraude. A fraude é do partido, e suas consequências se estendem a todos os que se beneficiaram do registro irregular. A decisão da Justiça Eleitoral de Januária segue a linha do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem sido implacável na defesa da integridade do processo eleitoral e da efetividade da cota de gênero.
A sentença determina ainda a retotalização dos resultados, com o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, o que poderá alterar a distribuição das cadeiras na Câmara Municipal de Itacarambi.
A Doutrina e a Jurisprudência na Proteção da Cota de Gênero
Este caso em Itacarambi é um exemplo prático da severidade com que a Justiça Eleitoral tem tratado as fraudes à cota de gênero. A aplicação da Súmula 73 do TSE, combinada com os preceitos da Lei das Eleições (Lei 9.504/97) e da Lei de Inelegibilidades (LC 64/90), demonstra um compromisso com a efetividade da participação feminina na política. O Judiciário Eleitoral tem reiteradamente afirmado que a democracia não se esgota no voto, mas exige condições paritárias e transparentes para a disputa, combatendo artifícios e fraues que visam meramente cumprir formalidades legais da cota de gênero fsem promover uma efetiva participação das mulheres na política. A cassação do DRAP e dos mandatos é uma medida drástica, mas considerada necessária para coibir a “estratégia consciente de esvaziamento político de candidaturas femininas”, que constitui, em última instância, uma forma de violência simbólica contra as mulheres na política.
Recurso: O Caminho da Defesa
Da sentença proferida pela 148ª Zona Eleitoral de Januária cabe recurso. As partes investigadas, incluindo o PSD e os indivíduos declarados inelegíveis, têm o direito de recorrer da decisão ao Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) e, eventualmente, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A possibilidade de recurso é um pilar do devido processo legal e permite que as partes apresentem suas teses e provas em instâncias superiores, buscando a revisão da sentença. Assim, a batalha jurídica pode não ter terminado para o PSD e os envolvidos, embora a decisão de primeira instância já configure um forte revés político e legal para o partido e para os responsáveis pela fraude.
Ao comentar a decisão, o advogado Emerson Barbosa disse que “A sentença foi omissa em relação às provas produzidas nos autos, de maneira que será apresentado recurso adequado para a instância superior, aguardando a reforma da mesma”.