Manga:Falhas na documentação e inundação do casco obrigaram duas embarcações a suspender os serviços temporariamente

Por:Luisclaudioguedes.com.br

Duas das seis balsas que prestam o serviço de travessia entre os municípios de Manga e Matias Cardoso, no extremo Norte de Minas, ficaram fora de operação nos últimos dias. Uma delas, a Três Marias, do empresário baiano Genésio Pereira Costa, submergiu, na madrugada da segunda-feira (19), quando estava atracada na margem esquerda do Rio, supostamente por ter os seus porões inundados. Segundo uma fonte ouvida pelo Em Tempo Real, não houve vítimas nem prejuízos materiais porque a embarcação estava fora de serviço na noite do incidente, após ter apresentado problemas no motor do rebocador. A balsa, segundo o site apurou, voltou a realizar a travessia assim que a pane foi resolvida com a substituição do motor.

Já os serviços ofertados pela balsa Capitão Lino, de propriedade do empresário e ex-vereador Francisco Farias Gonçalves, foram suspensos no último sábado (17), após visita surpresa da fiscalização da Capitania Fluvial dos Portos, que tem sede regional na também ribeirinha cidade de Pirapora. A balsa, entretanto, voltou ao leito do rio na terça-feira (20). Segundo Farley Santos Farias, responsável pela operação da balsa, os oficiais da Marinha embargaram o funcionamento da balsa porque a licença de operação não estava afixada em lugar visível dentro da embarcação. “Nós mandamos o documento para eles e veio a autorização para voltar a atravessar”, diz Farias. Não é a primeira vez que a microempresa Maria Helena Farias Gonçalves-FI, que atua na travessia do Rio há cerca de 40 anos, enfrenta problemas com a fiscalização da Marinha do Brasil.

A embarcação Capitão Lino responde, ou respondeu nos últimos anos, há pelo menos três Inquéritos sobre Acidentes e Fatos da Navegação (IAFN) no Tribunal Marítimo, que tem sede aqui em Brasília. Um desses processos é resultado da investigação do acidente ocorrido na manhã do dia 19 de fevereiro de 2008, quando dois caminhões carregados com carvão vegetal e uma motocicleta caíram no leito do Rio São Francisco. Concluída em maio de 2011, a investigação apurou, na ocasião, que a balsa Capitão Lino não dispunha da licença provisória para tráfego na travessia, além de não ter concluído, após décadas de operação, o processo de regularização de várias licenças para operação na travessia aquaviária, entre ele o Certificado Nacional de Borda Livre, Certificado Nacional de Arqueação e o Certificado Nacional de Segurança da Navegação.

O serviço de travessia do Rio São Francisco entre Manga e Matias Cardoso é objeto de concorrência pública patrocinada pela Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas de Minas Gerais (Setop). A medida é etapa inicial para cumprir decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que concedeu, em julho do ano passado, antecipação de tutela para a ação civil pública (ACP), iniciada há quase um ano, pelos então promotores Daniel Piovanelli Ardisson e Walter Augusto Moura Silva, do Ministério Público Estadual da Comarca de Manga.

O processo de licitação em andamento deveria escolher as empresas ou consórcio de empresas concessionários do serviço de travessia por meio de balsas sobre o leito do Rio São Francisco, mas foi suspenso pelo prazo de 60 dias, no início do mês de dezembro de 2014. Na ocasião, a Setop alegou que precisaria de tempo para realizar a análise das impugnações apresentadas. A escolha dos novos concessionários seria realizada com base na menor tarifa-base oferecida.

Uma das impugnações ao processo foi apresentada justamente pela microempresa Navegação Fluvial Três Marias Ltda. O balseiro Genésio Pereira Costa fez a apelação após ter sido excluído do consórcio formado pelos demais operadores da travessia. Uma fonte disse ao site que o empresário suspeita de que o naufrágio da sua balsa nesta segunda-feira pode ter sido motivada por sabotagem em razão de disputa comercial. A embarcação de Genésio foi a última a oferecer o serviço no local entre as seis balsas que atualmente exploram a travessia do Velho Chico.

Serviços precários

“O serviço de travessia é prestado de maneira precária e irregular, uma vez que só há mera autorização dos municípios de Manga e Matias Cardoso”, alertou o promotor Nilo Alvim na argumentação que justificou a abertura da ação civil pública. Segundo o promotor, o responsável por prestar o serviço é o estado de Minas Gerais, a quem cabe conceder a autorização legal para sua execução, direta ou indiretamente. Para que terceiros prestem aquele serviço público, é necessário existir contrato, firmado após o devido procedimento licitatório na modalidade concessão.

O inquérito realizado pelo Tribunal Marítimo aponta outras irregularidades na travessia de Manga. As normas da autoridade marítima para embarcações empregadas na navegação interior, a Normam-02/DPC, diz que “após a partida da embarcação, nenhum veículo poderá ser deslocado de sua posição de estacionamento, que devem estar com o motor desligado e o freio de mão acionado e que em seu interior não devem permanecer pessoas enquanto a embarcação estiver em movimento”. Até as pedras do Cais de Manga sabe que nenhum dos empresários que atuam no local cumpre essa legislação ao pé da letra e alerta, por exemplo, para o risco da movimentação de automóveis sobre balsas em movimento, que “afeta gravemente sua estabilidade sendo por isso proibida”.

Centro de gravidade

O relatório final que julgou o processo contra Capitão Lino é bastante esclarecedor para as condições da travessia em Manga. O documento destaca que as balsas “comumente encontradas no interior de [sic] país são um tipo de embarcação cujo centro de gravidade se desloca com facilidade, em razão da forma característica de seu casco, com muito comprimento e boca em relação ao pontal. Esse tipo de construção se desestabiliza com facilidade quando se deslocam pesos em sua superfície, alterando consideravelmente o ângulo do convés principal onde estão os carros e os passageiros, derrubando-os na água. A embarcação dificilmente emborcará, mas a carga e os passageiros colocados no convés principal cairão na água, como a experiência vem mostrando”.

O risco apontado pela Marinha para o caso de caminhões carregados de carvão vegetal, normalmente uma muito alta, também vale para os casos de acúmulo de água dentro do casco das embarcações. Esse pode ter sido o motivo do afundamento da balsa Três Marias, mas não se sabe ainda se a Capitânia dos Portos vai investigar o assunto. Se o peso pender para qualquer uma das extremidades da balsa, a probabilidade do deslocamento dos veículos sobre a superfície da embarcação não é pequena, porque provocaria completo desequilíbrio dos pesos, como numa gangorra equilibrada.

Quem usa a travessia de Manga há muito tempo pode testemunhar as várias ocasiões em que algumas das balsas que atuação no local contavam com dois motores a diesel: um deles para a propulsão do rebocador que movimenta as plataformas durante a travessia e o outro para a retirada da água acumulada dentro dos cascos de ferro das embarcações. Visto em retrospectiva, parece quase milagre não ter registro de casos fatais na travessia entre Manga e Matias Cardoso. A experiência acumulada pelos balseiros ajuda, mas sempre é preciso contar com a sorte.

 

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